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UFPB concede título de Doutor Honoris Causa ao poeta José Nunes Filho, o Zé de Cazuza

publicado: 21/08/2024 17h34, última modificação: 21/08/2024 18h37
Homenagem reconhece o legado do poeta como guardião da poesia popular nordestina e memória viva da cantoria

Zé de Cazuza (à esquerda) e Gilmar Leite (à direita) / Foto: Acervo pessoal de Gilmar Leite

Na próxima terça-feira, 27 de agosto de 2024, às 17 horas, acontecerá a sessão de outorga do título de Doutor Honoris Causa ao poeta José Nunes Filho, o Zé de Cazuza.  A cerimônia será realiza no auditório da Reitoria, no Campus I da Universidade Federal da Paraíba e é aberta ao público.

O momento é dos mais solenes. Na oportunidade, a universidade concederá um dos seus mais altos reconhecimentos a uma pessoa que, embora não possua vínculos formais com a instituição ou títulos acadêmicos avançados, se destacou de forma extraordinária em sua área de atuação.

O também poeta e professor do Centro de Ciências Aplicadas e Educação (CCAE) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Gilmar Leite (UFPB/CCAE/DED), autor da proposta, conversou com a Assessoria de Comunicação do CCAE sobre a vida e obra do homenageado, além dos motivos que o levaram a fazer essa indicação.

Todos estão convidados a ler a entrevista até o final e se deleitarem com uma bela história de vida que se confunde, em vários aspectos, com a própria história da poesia popular nordestina.

 ASCOM-CCAE: Como o senhor conheceu o poeta Zé de Cazuza?

Gilmar Leite: Zé de Cazuza é da região do Cariri: Monteiro. Hoje reside no sítio São Francisco, no município da Prata. Ele é uma figura central na tradição poética da região, transitando entre Monteiro, Prata, Ouro Velho e São José do Egito, que faz fronteira com Ouro Velho. Essa microrregião é rica em tradição poética, sendo a terra de figuras como Pinto de Monteiro, na Paraíba, e Lourival Batista, em São José do Egito, Pernambuco.

O trânsito de Zé de Cazuza entre a Paraíba e o Pajeú é algo que remonta à sua juventude, muito antes de eu nascer. Quando comecei a me interessar por poesia, já na atmosfera poética de São José do Egito, foi natural conhecer Zé de Cazuza. Isso deve ter acontecido no final dos anos 70, e desde então somos amigos.

 ASCOM-CCAE: Quais são as principais características da poesia de Zé de Cazuza e como ela se insere no contexto da literatura paraibana, nordestina e brasileira?

Gilmar Leite: Apesar de Zé de Cazuza ser um poeta de grande relevância, sua obra não é extensa. Ele começou como poeta repentista nos anos 50 e 60, cantando ao lado de grandes nomes como Pinto do Monteiro e Lourival Batista. Entretanto, decidiu deixar a viola de lado e se especializou em decorar os melhores versos cantados em noites de cantoria.

A poesia de Zé, assim como a de outros poetas repentistas do Nordeste, é profundamente ligada à cultura e aos costumes do sertão, abordando temas como a terra, o semiárido, a chuva e a seca, enfim, a tudo o que permeia a cultura do homem sertanejo. Como dizia Guimarães Rosa, 'O sertão está em toda parte'. Ela se insere, portanto, não só na região em que o poeta habitou, mas teve um alcance bem maior. A poesia de Zé se insere, portanto, no que se diz respeito ao sertão, ao nordeste e ao Brasil.

É bom lembrar que a região do Pajeú pernambucano e do Cariri paraibano são duas irmãs siamesas. Por isso, os registros de escrita do que foi construído nos anos 30 a 70, que foi feito poeticamente na oralidade, se perderam, mas graças à memória de Zé de Cazuza, parte dessa herança foi preservada. A sua obra está dispersa por ontologias poéticas feitas por ele e por outros admiradores da poesia do sertão nordestino.

 ASCOM-CCAE: Como surgiu a ideia de propor o título de Doutor Honoris Causa ao poeta e quais foram os critérios que o senhor utilizou para fundamentar sua proposta?

Gilmar Leite: Eu acompanhei antes da pandemia o movimento para a entrega do título de doutor honoris causa ao compositor Zé Katimba. Com o tempo, surgiu a ideia de propor o título de doutor honoris causa ao poeta Zé de Cazuza.

Os critérios utilizados foram, primeiro, Zé de Cazuza é o maior museu vivo da poesia dos cantadores de repente e dos poetas sertanejos do sertão nordestino. Não só da Paraíba, não só de Pernambuco, mas de todo o Nordeste. Zé de Cazuza é uma memória viva da cantoria, e sem ele, muitos versos belíssimos teriam se perdido. Zé tem essa grande contribuição de guardar na memória esse acervo estético-cultural dos poetas repentistas.

Além dessa memória viva, desse museu vivo andante, também tem a envergadura de ser assim uma espécie de pai, de mestre de toda uma geração, de ter sido e ainda ser uma referência no que pauta a poesia dos cantadores, dos poetas repentistas. Dessa forma, a grande contribuição de Zé, além da memória, é de ser uma espécie de professor, de mestre, de apontar as melhores poesias, de dizer quem foram os melhores gênios. Ele é um professor da poesia sertaneja. E um professor da sensibilidade. Essa é a grande contribuição que Zé tem como legado vivo.

 ASCOM-CCAE: Como o senhor recebeu a notícia de que sua proposta foi aprovada pela instituição e qual foi a reação do poeta ao saber da homenagem?

Gilmar Leite: Fiquei extremamente feliz, especialmente por ver que os pareceristas e colegas compreenderam que a ciência e o conhecimento não se limitam aos nossos laboratórios e salas de aula. Eles são também produzidos no mundo da vida, nas trocas de experiências entre as pessoas.

Quanto à reação do poeta, quando fui visitar Zé em seu sítio, na Fazenda São Francisco, ele reagiu com sua típica irreverência, dizendo que era loucura conceder um título de doutor a alguém que estudou apenas três anos. No entanto, ele ficou feliz com a ideia.

Quando a proposta foi aprovada, comuniquei ao filho dele, Felizardo Moura, que ficou muito contente, assim como toda a família. Tenho certeza de que Zé de Cazuza está muito feliz, pois ele valoriza profundamente o estudo, a leitura e o conhecimento.

ASCOM-CCAE: Qual a importância de reconhecer e valorizar a produção artística e intelectual de personagens como Zé de Cazuza?

Gilmar Leite: Reconhecer e valorizar a produção de figuras como Zé de Cazuza é de extrema importância. A universidade é uma instituição pública, sustentada pelo dinheiro do contribuinte, e deve estar aberta ao público em geral, não apenas aos seus estudantes e professores.

A produção científica, em última instância, vem do mundo da vida, e é essencial que a universidade mantenha suas portas abertas para que a população sinta que ela lhes pertence. É crucial que homenageemos não apenas Zé de Cazuza, mas outros que também contribuem de maneira significativa para nossa cultura e conhecimento.

 ASCOM-CCAE: Como se deu o processo de concessão do título de doutor honoris causa a Zé de Cazuza?

Gilmar Leite:  A concessão do título de doutor honoris causa foi resultado de uma ação conjunta, iniciada por mim e prontamente acolhida pelo centro. A parceria entre o professor Gilmar e o Centro de Ciências Aplicadas e Educação (CCAE) deu os primeiros passos para a concessão do título a Zé de Cazuza. Os professores do CCAE e os conselheiros do centro acolheram muito bem a ideia e a propositura, que teve parecer favorável. Esse parecer foi posteriormente ratificado, de maneira festiva, pelo Consuni. É importante destacar que essa não foi uma iniciativa isolada minha, mas sim uma parceria entre um professor do Departamento de Educação e o centro, conduzida pelas vias dos colegiados.

ASCOM-CCAE: Que mensagem o senhor gostaria de deixar para os estudantes, professores e funcionários da instituição que queiram participar da sessão solene em homenagem ao poeta?

Gilmar Leite: A mensagem que eu deixo é que todos compareçam à cerimônia. Será um momento bonito e sublime, uma oportunidade de prestar honras a alguém que, embora não faça parte da instituição, tem seu valor reconhecido por ela. É importante que a comunidade universitária perceba que existem pessoas além das paredes da universidade que produzem conhecimento de grande importância, que reflete nossa forma de ser, pensar e sentir o mundo. A poesia, em especial, é uma manifestação profunda desse conhecimento e merece ser celebrada.

A Assessoria de Comunicação do CCAE agradece ao professor Gilmar Leite pela “aula” de história da poesia sertaneja e pela disponibilidade e gentileza em atender a equipe da ASCOM-CCAE.

Professores, alunos, servidores técnico-administrativos e a sociedade, em geral, todos estão convidados para prestigiar esse momento singular de outorga do título de Doutor Honoris Causa ao poeta Zé de Cazuza.

 

* Texto: Ascom-CCAE