Vitamina C na prevenção e tratamento do Resfriado Comum
O resfriado comum é uma das doenças mais frequentes na população em geral. O termo 'resfriado comum' não se refere a uma condição específica, mas a um grupo de sintomas como obstrução nasal, dor de garganta, tosse, cansaço que envolve diminuição da energia e fraqueza, com ou sem febre. Esses sintomas apresentam múltiplos agentes causadores, como rinovírus, adenovírus, vírus sincicial, entre outros. A recuperação dura em média duas semanas, e é tratado pela própria pessoa, onde muitas procuram produtos vendidos sem receita médica. Geralmente esses produtos contêm suplementos em altas doses de vitamina C (ácido ascórbico) (Quidel, 2018; Bucher, 2016).
A vitamina C é um potente antioxidante, solúvel em água, entretanto, não é produzida endogenamente em humanos e, portanto, é um componente essencial da dieta, sendo encontrada em frutas e legumes frescos, tendo que ser consumida em uma dose diária de 90mg para homens e 75mg para mulheres de acordo com as recomendações dos Institutos Nacionais de Saúde. Com isso, o consumo de uma laranja que possui em média 70mg de vitamina C ou de um brócolis que em média possui 90mg de vitamina C já são suficientes para atingir o consumo médio diário, lembrando que, consumir 5 porções variadas de frutas e vegetais diariamente podem fornecer mais de 200 mg de vitamina C (Bucher, 2016; INS, 2013; Hemila, 2013; Natural Medicines, 2015).
Alguns estudos registraram dados sobre sintomas que os participantes atribuíram à medicação que estavam usando. Ao longo dos ensaios, foram registrados dados para um total de 2490 pacientes que utilizaram ≥ 1 g/dia de vitamina C em comparação com 2066 que tomaram placebo. Ao todo, 5,8% dos receptores de vitamina C relataram sintomas adversos em comparação com 6,0% daqueles que tomavam placebo. Nenhum sintoma grave foi relatado. (Hemila, 2013). Doses acima de 3g/dia da vitamina C podem ocasionar efeitos adversos os quais incluem diarreia, distúrbios gastrintestinais, aumento da excreção de oxalato, formação de cálculo renal e aumento na excreção urinária de ácido úrico, efeitos pró-oxidativos (RBNE, 2016; Vitolo, 2008).
Já uma meta-análise agrupou os resultados de estudos em que ≥ 1 g/dia de vitamina C foram administrados regularmente durante o período do estudo e não encontraram efeito da vitamina C sobre a incidência de resfriados. Quando um subgrupo de maratonistas, esquiadores, e soldados em operações subtropicais, que usavam doses, variando de 0,25g/dia aproximadamente 1g/dia, foram excluídos desse estudo, as evidências de que a vitamina C não tem efeito sobre o número de pessoas que contraem o resfriado comum foram reforçadas. Já entre o grupo da população geral foi usado doses de ≥ 3g/dia de vitamina C e não afetaram a incidência do resfriado comum em comparação ao grupo placebo. Assim, é possível que a vitamina C tenha efeitos sobre a exposição de curto prazo ao estresse físico, mas não sobre o estresse físico de longo prazo (Hemila, 1997).
No que diz questão a duração e gravidade do resfriado comum o estudo de Hemila (2013) concluiu que tanto em adultos quanto em crianças, com o uso de cerca de 1g/dia, a suplementação preventiva regular de vitamina C resultou em uma redução significativamente baixa na duração dos episódios de resfriado comum, sendo de 8% nos adultos e 14% em crianças. Com isso, não parece razoável ingerir vitamina C regularmente durante todo o ano se o benefício previsto for encurtar ligeiramente a duração dos resfriados que ocorrem para os adultos algumas vezes por ano e para as crianças meia dúzia de vezes por ano. No que diz respeito à gravidade dos resfriados, não houve diferença na incidência de resfriado comum e apenas uma redução de 5% na gravidade do resfriado para aqueles no grupo de vitamina C com dose de 2g/dia.
Ensaios terapêuticos também analisaram a duração e gravidade do resfriado comum. No entanto, a maioria dos ensaios demonstraram resultados negativos evidenciando nenhuma diferença entre a vitamina c e o placebo, indicando não alterar a incidência do resfriado comum na população em geral. Dessa forma, observou-se que, mesmo sendo relativamente barata, os efeitos da vitamina C variam substancialmente entre diferentes subpopulações, onde os numerosos ensaios já publicados não encontraram quaisquer benefícios para a diminuição da incidência ou gravidade do resfriado comum da suplementação diária (Quidel, 2018; Hemila, 2013). Sendo assim, clínicos e pacientes não devem recorrer ao uso de vitamina C na prevenção do resfriado comum.
Vitamina C e a COVID-19
O uso da Vitamina C para o tratamento da COVID-19 não é indicado, pois a evidência dos dados dos estudos publicados mostram que a administração de 50 mg/kg por via intravenosa a cada 6 horas durante 96 horas não altera significativamente a gravidade da doença, os níveis de proteína C-reativa ou os níveis de trombomodulina em comparação com o placebo, em pacientes com sepse e a síndrome respiratória aguda, embora tenha sido reduzida a mortalidade e os dias de internação na UTI. Junto a isso, ensaios clínicos realizados com a dosagem de vitamina C variando de 250 a 500mg/dia via oral e 24g/dia intravenosa não conclui que vitamina C pode ser tomada para prevenir ou tratar o COVID-19.
Usos de grandes doses de vitamina C intravenosa (10.000-20.000mg/dia) foram relatados por médicos da China em mais de 50 pacientes com COVID-19, moderado a grave, levando a uma duração média menor de permanência no hospital. Contudo, não pode ser levado em consideração, pois os detalhes dessa evidência não estão disponíveis em revistas pré-impressas ou revisadas por pares, e os eventos adversos podem estar associados a formação de cálculos renais, principalmente naqueles com altos níveis de oxalato, e a alterações gastrointestinais (náusea, vômito, azia, cólicas abdominais) limitando assim a dose. No entanto, as doses altas usadas nestes relatos não são obtidas quando se utiliza versões de venda livre de vitaminas C disponíveis oralmente sendo assim, ineficaz o uso exagerado de suplementação de vitamina C a fim de se obter esses resultados (Adams, 2020).
REFERÊNCIAS
1. Adams, K. K., et. al. "Mito Busters: Suplementos Dietéticos e COVID-19." Annals of Pharmacotherapy, (maio de 2020). DOI: 10.1177/1060028020928052. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/1060028020928052?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori%3Arid%3Acrossref.org&rfr_dat=cr_pub++0pubmed#articleCitationDownloadContainer. Acesso em 27 de maio de 2020.
2. Bucher, A.; N. W. "Vitamina C na prevenção e tratamento do resfriado comum." American journal of lifestyle medicine. 2016. vol. 10,3 181-183. doi: 10.1177 / 1559827616629092. Disponível em: Vitamin C in the Prevention and Treatment of the Common Cold Acesso em 18 maio de 2020.
3. Conselho Fedral de Farmácia (CFF). Cebrim Informa: Uso Racional da Vitamina C (ácido ascórbico): precauções. 2013. Disponível em: http://www.cff.org.br/userfiles/file/cebrim/Cebrim%20Informa/Uso%20Racional%20da%20Vitamina%20C%2018-03-2013.pdf. Acesso em 30 maio 2020.
4. Douglas R.M., et. al. Vitamin C for preventing and treating the common cold. Cochrane Database Syst Rev. 2000. DOI:10.1002/14651858. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10796569/ . Acesso em 27 de maio de 2020.
5. Gómez, E.; et al. Does vitamin C prevent the common cold?. Medwave. 2018;18(4):e7235. Disponível em: https://www.medwave.cl/link.cgi/English/Updates/Epistemonikos/7236.act . doi:10.5867/medwave.2018.04.7236 . Acesso em 30 de maio de 2020.
6. Hemilä H. Vitamin C intake and susceptibility to the common cold. Br J Nutr. 1997;77(1):59‐72. doi:10.1017/s0007114500002889 Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9059230/ Acesso em: 30 de maio de 2020.
7. Hemilä H, Chalker E. Vitamin C for preventing and treating the common cold. Cochrane Database of Systematic Reviews 2013. DOI: 10.1002/14651858.CD000980.pub4. Disponível em: https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD000980.pub4/full/pt#CD000980-sec1-0001 . Acesso em 29 de maio de 2020.
8. Institutos Nacionais de Saúde (INS). Escritório de Suplementos Dietéticos. Vitamina C: ficha informativa para profissionais de saúde. 5 de junho de 2013. Disponível em: https://ods.od.nih.gov/factsheets/VitaminC-HealthProfessional/. Acesso em 29 de maio de 2020.
9. Natural Medicines. Base de dados abrangente sobre medicamentos naturais. Vitamina C. 17 de março de 2015. Disponível em: www.naturaldatabase.com. Acesso em 1 de janeiro de 2016.
10. Quidel, S., et. al. What are the effects of vitamin C on the duration and severity of the common cold?. Medwave. 2018 ;18(6):e7261. Disponível em: https://www.medwave.cl/link.cgi/English/Updates/Epistemonikos/7260 . doi:10.5867/medwave.2018.06.7260 . Acesso em 30 de maio de 2020
11. REVISTA BRASILEIRA DE NUTRIÇÃO ESPORTIVA (RBNE): Toxicidade. São Paulo: Instituto Brasileiro de Pesquisa e Ensino em Fisiologia do Exercício, v. 10, n. 55, jan/fev. 2016. P.112-119.. Disponível em: http://www.rbne.com.br/index.php/rbne/article/download/301/310/0.. Acesso em: 30 maio 2020.
12. Tyrrell D.A., et. al. A trial of ascorbic acid in the treatment of the common cold. Br J Prev Soc Med. 1977;31(3):189‐191. doi:10.1136/jech.31.3.189 Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/338079/ Acesso em: 30 de maio de 2020.
13. Vitolo, M. R. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. Rio de Janeiro. Ed. Rubio. 2008.