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TRIKAFTA®: Incorporação no Tratamento da Fibrose Cística

publicado: 29/09/2023 12h00, última modificação: 29/09/2023 10h20
Colaboradores: Gabriel Rodrigues Martins de Freitas, Gabriella Santos Barros

O que é fibrose cística?

De acordo com a Biblioteca Virtual em Saúde, do Ministério da Saúde (MS), a Fibrose Cística (FC), também conhecida como mucoviscidose (ou doença do beijo salgado), é uma doença oriunda de uma mutação no gene Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator (CFTR), localizado no cromossomo 7 dos seres humanos. Essa mutação no gene desencadeia a síntese de uma proteína CFTR mutante, ou seja, que não cumpre sua função corretamente. 

Essa proteína desempenha um papel crucial na regulação dos íons. Ela reduz a excreção de cloreto e aumenta o influxo intracelular de sódio para manter o equilíbrio eletroquímico, além de afetar a movimentação de água devido à sua ação osmótica. Isso resulta em desidratação das secreções mucosas, aumento da viscosidade do muco e obstrução dos ductos, que desencadeiam uma resposta inflamatória. 

Segundo os dados do MS, esse muco pode ser de 30 a 60 vezes mais espesso que o normal, o que, por consequência, pode levar a um bloqueio das vias respiratórias. Porém, além dessa via, essa secreção pode ainda bloquear o trato digestório e o pâncreas, causando problemas enzimáticos, os quais podem ser descritos como a incapacidade de algumas enzimas chegarem no trato digestivo,  tornando a fibrose cística uma doença que gera uma falha sistemática em vários órgãos e regiões distintas do corpo. 

Ademais, para torná-la ainda mais preocupante, a fibrose cística não é somente um doença genética, como ainda é uma doença autossômica recessiva, a qual o indivíduo só é afetado nos casos em que este recebe o gene mutante do pai e da mãe, simultaneamente.

A epidemiologia da doença no país (Incidência de fibrose cística no Brasil)

O Ministério da Saúde considera a fibrose cística a doença rara mais comum do país em questão de incidência. Dados obtidos pelo MS exibem que uma a cada vinte e cinco pessoas são portadores da doença, ou seja, possuem o gene mutante herdado. 

Além disso, esses mesmos dados mostram que ela se manifesta em 1 (um) a cada 10 mil indivíduos nascidos vivos no país. Ademais, em Goiás, a incidência é ainda menor, onde ocorre somente 1 (um) indivíduo portador de FC para cada 18 mil (dezoito mil) nascidos vivos.

Por se tratar de uma doença genética, a qual o indivíduo possui desde o nascimento, ela piora o modo de vida das pessoas, podendo desencadear uma morte precoce dos jovens diagnosticados e que não aderem aos tratamentos para a doença. Segundo o último Registro Brasileiro de Fibrose Cística (REBRAFC), realizado em 2020 pelo Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística (GBEFC), metade dos óbitos por fibrose cística ocorre antes de o indivíduo atingir a maioridade. Ainda de acordo com a instituição, no Brasil há 6.112 fibrocísticos, e 74% são menores de 18 anos. 

Desse total registrado, no ano de 2020, 36 indivíduos estavam localizados no Estado da Paraíba, enquanto que a maioria, cerca de 25,1% da totalidade, estavam centrados no Estado de São Paulo, assemelhando-se aos dados coletados em 2019. Em outro estado, como o de Minas Gerais, 11,7% das pessoas nasceram com a doença, e, assim como no Estado de São Paulo, também manteve-se a mesma porcentagem dos dados coletados em 2019. 

Já no Rio Grande do Sul, a porcentagem aumentou ligeiramente de 10,3% em 2019, para 10,4% em 2020. Por fim, na Bahia, a incidência da doença atingiu a taxa de 8%, um pouco maior em comparação com os 7,8% registrados em 2019. Com isso, o GBEFC, deixa explícito no relatório que no Brasil, as regiões Sudeste, Sul e Nordeste, respectivamente, são as três mais afetadas por esta doença.

Sinais, sintomas e os métodos de diagnóstico

Entre os sintomas mais comuns para fibrose cística, nós temos uma tosse ininterrupta, a qual pode ser acompanhada de catarro e sangue. Além disso, o indivíduo também pode apresentar dificuldades para respirar devido ao acúmulo de muco espesso, podendo ainda ocasionar um inchaço nas vias respiratórias. O indivíduo portador da doença também pode apresentar dificuldade em ganhar peso. 

Fisiologicamente, a fibrose cística causa uma alteração no transporte ativo (aqueles contra o gradiente eletroquímico e, consequentemente, com gasto de energia em forma de Adenosina Trifosfato (ATP)) de íons de cloreto e sódio nas glândulas sudoríparas e glândulas salivares,  levando o indivíduo a apresentar uma saliva mais concentrada com íons de sódio, ou seja, mais salgada. É exatamente por esse motivo que a fibrose cística como "doença do beijo salgado".

A principal maneira de diagnosticar a fibrose cística é ainda durante os primeiros meses de vida, pelo teste do pezinho. Esse teste trata-se de um Programa Nacional de Triagem Neonatal, implantado pela Portaria nº 822/2001 do Ministério da Saúde, a qual todos os recém-nascidos brasileiros entre o 3º e 7º dia de vida possuem o direito de fazer o exame gratuitamente. Nele, recolhem-se gotas de sangue do calcanhar como uma forma de verificar não somente a presença da fibrose cística, mas outras possíveis alterações no recém nascido. 

Após a realização desse tipo de teste, para um diagnóstico ainda mais preciso, faz-se necessário a testagem do suor, com o intuito de verificar a sua concentração de sódio, uma vez que, sendo uma doença genética, ela desencadeia alterações fisiológicas mencionadas anteriormente.

Por fim, um último teste que ainda pode ser realizado é o genético. De acordo com informações obtidas a partir do Ministério da Saúde, publicadas pela Biblioeteca Virtual em Saúde, o teste genético é essencial principalmente para confirmar ou refutar o diagnóstico da doença quando os resultados do teste do suor apresentarem resultados inconclusivos, como também serve para identificar o tipo de mutação ocorrida, já que a fibrose apresenta diversas mutações. O teste genético ainda possibilita a elaboração de um tratamento mais viável ao paciente. 

Sobre o Trikafta®

Trikafta, registrado comercialmente como TRIKAFTA® (elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor), é um medicamento que consiste numa tripla terapia para pessoas com fibrose cística, aprovado em 2019 pelo FDA (Food and Drug Administration). Inicialmente, o medicamento era exclusivo para o tratamento de pacientes a partir de 12 anos de idade. Entretanto, devido aos seus resultados satisfatórios em estudos e também após a sua eficácia sendo comprovada, em 2020, a FDA ainda declarou a eficácia do medicamento em mais mutações do gene CFTR. 

Em 2021, o FDA aprovou o tratamento para crianças a partir de 6 anos de idade, Mais recentemente, o medicamento foi aprovado para abranger crianças a partir de 2 anos de idades, o que veio a se tornar algo importante e essencial, uma vez a doença sendo bastante comum na infância. A partir disso, após a sua comprovação de eficácia, ainda em 2021, a Vertex Pharmaceuticals entrou com o processo de registro do medicamento no Brasil com a Agência Nacional Sanitária (ANVISA). 

Mecanismo de Ação do fármaco

Como mencionado, o Trikafta® é uma tripla terapia, ou seja, um conjunto de três moléculas distintas. O elexacaftor, o tezacaftor e o ivacaftor. O elexacaftor e o tezacaftor funcionam como corretores da proteína CFRT, onde se ligam a diferentes regiões dessa proteína, ajudando-a se desdobrar da maneira correta, de modo que ainda facilitam o trânsito celular dessa proteína mutante para as membranas celulares, onde a sua ação fisiológica é necessária. Isso é importante pois, ao invés de promoverem a destruição de uma proteína defeituosa, eles a corrigem e a ajudam a exercer a sua função.

Já o ivacaftor, por sua vez, atua como um potencializador da CFTR, fazendo com que essa proteína fique ativa por mais tempo para que ocorra, como deve ser, a passagem natural dos íons de sódio e cloreto. 

Incorporação do Trikafta® no SUS

De acordo com a Nota Técnica de Nº 88, 07 de Agosto de 2023, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (SUS) - CONITEC - aprovou a incorporação no SUS do medicamento elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor (Trikafta®) para tratar FC, no dia 03 de agostos deste ano, durante a sua 121ª reunião. 

Ainda para a SBP, o processo de aprovação do medicamento pela CONITEC foi um dos mais complexos, uma vez que, inicialmente, a CONITEC se mostrava desfavorável a proposta de oferta do Trikafta® pelo Sistema Único de Saúde, principalmente levando em consideração a relação custo-efetividade, já que inicialmente, antes do registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o medicamento era vendido ao Governo por R$112.779,05 a caixa com comprimidos suficientes para somente um mês de tratamento.

Mesmo após o registro na Anvisa e a fixação do preço pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), o valor da caixa ultrapassa os 68 mil reais, já com o desconto mínimo obrigatório calculado pelo Coeficiente de Adequação de Preços (CAP). 

A importância do Acesso ao medicamento e o preço em se ter saúde

Nísia Trindade, a Ministra da Saúde do Brasil, ressalta a importância que a CONITEC possui na incorporação deste e de outros medicamentos no SUS. Ela afirma o seguinte sobre o uso do Trikafta® no tratamento da fibrose cística: "O tratamento traz melhoria da qualidade e expectativa de vida, pode reduzir internações hospitalares, além da retirada do paciente da fila do transplante pulmonar"

Em um depoimento que deu para o Correio Braziliense, Laura Sofia, uma jovem de 18 anos, que é afetada pela doença, exalta a eficácia do Trikafta® e o relaciona com a sua melhora na expectativa de vida. Ela deu início ao tratamento com o medicamento somente após entrar com um processo de judicialização, já que não conseguia arcar com as despesas do tratamento. Anterior a ele, ela costumava receber tratamento em Brasília, por meio do HBC, porém, após o começo da última pandemia, ocasionada pelos Sars-CoV-2, o seu tratamento foi interrompido na unidade pela falta de acesso. 

Segundo o depoimento da mãe da jovem, o Trikafta® foi essencial para a recuperação e estabilidade da vida da menina, mostrando a tamanha importância e necessidade de ter esse medicamento, e inúmeros outros para doenças raras, de fácil acesso no Sistema Único de Saúde, sem que ocorra a necessidade de judicialização, como foi no caso de Laura e sua mãe.

Expor CIM

Uma indicação de filme que aborda a fibrose cística, juntamente com as dificuldades enfrentadas pelas pessoas diagnosticadas com a doença, é intitulada de Five feet apart, ou, em português, "A cinco passos de você". Na obra cinematográfica lançada em 2019, os indivíduos que possuem a doença são dois jovens que se conhecem no hospital onde realizam tratamento para FC. Por estarem muito próximos um do outro, eles acabam desenvolvendo um sentimento que supera a amizade. Entretanto, por não serem tão saudáveis como um "casal comum", alguns empecilhos surgem para mostrar que as barreiras impostas pela vida de pacientes diagnosticados com fibrose cística, vão muito além do que sequer podemos imaginar. 

O filme foi inspirado na ativista Claire Wineland, que faleceu em 2018, antes da incorporação do Trikafta® pelo FDA. Claire representava um símbolo de resistência, pois, mesmo em meio a tanto sofrimento causado pela fibrose cística, sua história serviu de inspiração para um filme que sensibilizou pessoas e mudou a perspectiva das pessoas com a doença do beijo salgado.

REFERÊNCIAS

BEZERRA, Laerzia. Pacientes com fibrose cística poderão ter melhora na qualidade de vida. Correio Braziliense, agosto de 2023. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2023/08/5114575-pacientes-com-fibrose-cistica-poderao-ter-melhora-na-qualidade-de-vida.html#. Acesso em: 25 de set. de 2023. 

CONHEÇA A FIBROSE CÍSTICA, A DOENÇA DO BEIJO SALGADO. Medprev, abril de 2022. Disponível em: https://medprev.online/blog/doencas/conheca-a-fibrose-cistica-a-doenca-do-beijo-salgado/. Acesso em: 25 de set. de 2023. 

Conheça um pouco mais sobre a Fibrose Cística (FC). Teste da bochechinha, agosto de 2020. Disponível em: https://testedabochechinha.com.br/fibrose-cistica/. Acesso em: 25 de set. de 2023.

Fibrose Cística. Biblioteca Virtual em Saúde, fevereiro de 2018. Disponível em: https://bvrose-cistica/.  Acesso em: 25 de set. de 2023.

Fibrose Cística atinge 1 a cada 10 mil nascidos vivos no Brasil. Ministério da Educação, setembro de 2020. Disponível em: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/comunicacao/noticias/fibrose-cistica-atinge-1-a-cada-10-mil-nascidos-vivos-no-brasil. Acesso em: 25 de set. de 2023. 

Nota Técnica, Nº 88, 07 de Agosto de 2023. Sociedade Brasileira de Pediatria, 2023. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/24202c-NT_-_Aprovacao_do_Medic_Trikafta_para_Tratam_da_Fibrose_Cistica.pdf. Acesso em: 25 de set. de 2023. 

Registro Brasileiro de Fibrose Cística (REBRAFC) ano 2020. O Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística, 2020. Disponível em: http://www.gbefc.org.br/ckfinder/userfiles/files/REBRAFC_2020.pdf. Acesso em: 25 de set. de 2023. 

SCHNEIDERS, Luísa. Ministério da Saúde. Fibrose Cística é genética mais comum na infância. Ministério da Saúde, Brasília Ministério da Saúde. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/fibrose-cistica-e-genetica-e-mais-comum-na-infancia/#:~:text=A%20fibrose%20c%C3%ADstica%20pode%20ser,suor%20%E2%80%9CTeste%20de%20Suor%E2%80%9D. Acesso: 29 de set. de 2023.