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Identidade e autoestima criadoras de conteúdo exaltam beleza negra

publicado: 15/07/2021 10h16, última modificação: 15/07/2021 10h20

Desde criança, Andila Nahusi recebeu todo o incentivo para amar a imagem que via no espelho. A mãe e o pai faziam questão de mostrar imagens de mulheres com cabelo crespo e volumoso, de contar sobre suas origens e a história do povo negro. No entanto, foi na escola que Andila se deparou com o racismo em suas mais diversas formas. 

“Eu era uma menina gorda, crespa e preta. Era muito difícil conseguir construir uma autoestima numa fase que é extremamente importante que a gente aprenda o nosso valor. Dentro de casa, eu tinha total apoio, mas a partir do momento que eu estava com pessoas da minha idade, eu era rejeitada”, revela.

Durante a infância e adolescência, Andila não viu referências de beleza negra nas mídias. Dessa forma, era quase impossível não se comparar com outras garotas que estavam dentro do padrão de beleza branco. “É quase inevitável que uma menina preta não se encontre em questionamento ou não tente se padronizar para poder ser aceita minimamente e conseguir viver coisas básicas. É uma coisa que eu ouço das minhas clientes até hoje, principalmente de quem nasceu nas décadas de 70, 80 ou 90. Isso é um fato: a gente é rejeitada e foi rejeitada pela imagem que a gente tinha”, argumenta. 

Atualmente, Andila é cabeleireira especialista em cabelos naturais e uma das idealizadoras do Studio Balacochê, um espaço de beleza e identidade voltado para cabelos ondulados, cacheados e crespos, situado em João Pessoa. O estúdio está aberto há seis anos e conta com oito profissionais. Além de serviços presenciais como cortes e tratamentos, o Balacochê também oferece consultoria capilar online para que as mulheres possam conhecer mais sobre seu tipo de cabelo. 

Ela revela que quando criança não se imaginava trabalhando com um setor voltado para beleza e autoestima, mas que sua busca por espaços onde pudesse se ver, acabou guiando-a para o atual trabalho. "Os caminhos foram me levando a essa trajetória de buscar um lugar onde eu conseguisse me enxergar e me cuidar. E eu queria proporcionar isso para outras mulheres porque fez muita falta na minha infância, adolescência e juventude”, comenta. 

Contudo, mesmo em seus estudos e cursos de estética, era possível ver a oposição à cultura do cabelo natural e das características negras e crespas como expressões de beleza. “Era sempre uma questão de apagamento e a gente sabe que apagar a imagem de alguém é apagar sua identidade. Então, fica mais fácil dominar um povo quando ele não sabe de onde ele vem”, argumenta. 

Foram também as críticas ao cabelo crespo que marcaram a infância da criadora de conteúdo e social media, Gabs Ferrera. Ela relembra que seu cabelo era sempre visto como algo a ser domado e nunca recebeu um elogio sobre ele. Por isso, aos dez anos começou a alisar os fios. Com o tempo e a química, o cabelo ficou fragilizado até sofrer corte químico, mas ainda assim ela continuou com o processo até queimar o couro cabeludo aos 20 anos e precisar cortar bem baixinho, revelando uma situação corriqueira para as mulheres negras. 

Somente após a adolescência e o processo de maturidade Gabs compreendeu que o padrão de beleza vigente na sociedade faz parte de um sistema racista. “Percebi que perdi anos da vida tentando me encaixar em algo que não era eu. Fui ouvindo, aprendendo e vendo que realmente se trata de um sistema opressor que começou lá atrás na falsa miscigenação”, reflete. 

Hoje em dia, mulheres como Gabs e Andila são referências para outras que estão em processo de aceitação de sua imagem e identidade. Para Andila é mais fácil ver representatividade negra dentro de revistas e programas de beleza, mas que grande parte do estímulo vem da internet. “A gente não precisa mais somente da televisão para poder se enxergar numa outra posição de beleza e protagonismo”, observa. 

Desconstrução é um processo diário

Para a paraibana Maria Mariana Figueiredo, 25, social media e criadora de conteúdo sobre moda e autocuidado, o fato de que as futuras gerações terão mais referências na mídia é motivo de comemoração, mas também alerta que outras mudanças ainda precisam ser feitas. “A visão da mulher negra que é bonita ainda segue um padrão, tem muita coisa pra ser desconstruída, estamos no processo. Muitos passos importantes e muitas mudanças já ocorreram, mas ainda é um caminho que está sendo trilhado”, avalia. 

Maria Mariana incentiva mulheres pretas a amarem seus traços e buscarem o autocuidado. Ela conta que começou a produzir conteúdo sobre o assunto por gosto, mas continua no ramo por saber que motiva outras pessoas. Segundo a jovem, o padrão de beleza branco e eurocêntrico afeta toda a vida da mulher negra, desde suas referências até seu empoderamento. “Então, a mulher negra tendo apenas essa visão, esse posicionamento, essa referência, vai estar sempre buscando uma coisa que não é dela, que não tem como ela atingir. Que não se parece com ela”, fala a criadora de conteúdo.

No entanto, o processo para quebrar esse padrão não é fácil. Mariana diz que hoje adora sua pele, seu cabelo e seus traços, mas houve momentos que não e também entende que para muitas mulheres isso ainda é muito difícil. “É um processo e não é um processo fácil. A gente não muda a visão de uma sociedade ou a nossa visão em um ano, por exemplo”, avisa. 

Agora, Mariana diz que se sente muito mais segura sobre sua imagem, mas ainda há lugares e momentos em que ela sente a pressão estética sobre seu cabelo e seu corpo. Por isso, avisa que é uma desconstrução diária. “O primeiro passo é você se reconhecer e entender esse padrão de beleza eurocentrado e, depois, desconstruir isso na sua cabeça. É realmente um processo que eu sinto que estou muito mais avançada do que um dia eu já fui. Não é todo dia que eu vou estar me amando. Então é paciência e resistência”, finaliza.

 Extensionista: Aléssia Guedes | Edição: Lis Lemos