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Parent in Science discute impacto da maternidade na carreira científica das mulheres
O filho da docente Josiane Campos, do curso de Biotecnologia da UFPB, tinha apenas dois meses quando ela precisou retornar ao pós-doutorado. A professora relata que amamentava Raul, atualmente com oito anos, tirava o leite para poder deixá-lo com a mãe e voltava no horário do almoço para amamentá-lo novamente. Josiane afirma que chegou a dormir fazendo experimentos devido ao cansaço por ter passado a noite se dedicando ao recém-nascido.
“Eu estava fazendo meu pós-doutorado na USP de Ribeirão Preto e foi uma conversa que eu tive com meu supervisor na época. Eu ficaria três meses em casa após o nascimento do meu filho, mas acabei ficando apenas dois porque tinha prazo para cumprir e experimento para terminar”, conta.
Assim como Josiane sentiu o impacto da maternidade na sua carreira científica, Fernanda Staniscuaski, bióloga e mãe de três, também enfrentou uma série de dificuldades para exercer a maternidade ao mesmo tempo em que precisava se dedicar ao trabalho . E foi através de um desabafo de Fernanda sobre sua situação em uma rede social, que nasceu o movimento Parent in Science, do qual é coordenadora atualmente.
"Comecei a enfrentar uma série de dificuldades, principalmente em relação ao tempo de dedicação para o laboratório, mesmo depois da licença maternidade. E eu não via ninguém falando sobre isso. Um dia fiz um post em uma rede social sobre como estava pagando um preço alto, principalmente em relação a conseguir recursos para o laboratório, pela escolha de me dedicar aos meus filhos. Muitas outras pessoas começaram a comentar que estavam passando pela mesma situação. Então, junto a alguns deles, criamos o Parent in Science”, relembra a pesquisadora.
O intuito era preencher o vazio de dados e conhecimentos acerca do impacto dos filhos na carreira científica de mães e pais. Então o Parent in Science criou um projeto de pesquisa, coordenado pela Fernanda, que visava entender o impacto da parentalidade, em termos de produção científica e obtenção de financiamento, na carreira das cientistas e dos cientistas brasileiros.
Para levantar as informações necessárias, questionários online foram respondidos por cerca de três mil cientistas. Os dados coletados serviram de base para o desenvolvimento de algumas políticas de apoio vigentes no Brasil. “Ao longo do tempo, o Parent acabou se engajando e desenvolvendo muitas ações em relação à maternidade e carreira na ciência”, diz Fernanda.
Uma dessas ações é o movimento Maternidade no Lattes, que recentemente deu um importante passo: a inclusão da licença-maternidade no currículo Lattes. A professora afirma que essa conquista "é uma maneira de termos reconhecida, formalmente, a maternidade como parte das nossas carreiras, com o objetivo de sinalizar o momento de pausa na carreira das cientistas e justificar as lacunas que existem nos currículos em função da maternidade. Além disso, é uma maneira de tirar a maternidade da invisibilidade e provocarmos mudanças necessárias sobre como ela é enxergada dentro da academia.”
Quando é feito o recorte de parentabilidade, os dados mostram que 3,4% das mulheres negras e 4,4% de mulheres brancas, ambas com filhos, conseguem trabalhar de casa, enquanto no mesmo aspecto, 12,2% de homens negros e 15,8% de homens brancos, com filhos, conseguem trabalhar remotamente.
O movimento ganhou tanta força que hoje conta com 90 cientistas de todo o Brasil. São 18 deles no núcleo central e mais 72 embaixadores, de núcleos regionais, espalhados por 53 instituições em 18 estados e Distrito Federal. E eles continuam divulgando dados importantes sobre o assunto. No ano passado, realizaram um estudo chamado “Produtividade Acadêmica Durante a Pandemia: efeitos de gênero, raça e parentalidade” que mostrou o impacto da pandemia na produtividade acadêmica dos pesquisadores científicos.
Sobre os próximos passos para garantir o reconhecimento da maternidade em espaços acadêmicos, a coordenadora do Parent in Science, Fernanda, enfatiza a importância de seguir na luta para que a maternidade seja respeitada em análises de currículos, além de continuar falando sobre garantia de licença maternidade, creches, aceitação de crianças em eventos científicos e, principalmente, discutir o conceito de paternidade.
“Tudo isso sem esquecer das muitas intersecções que existem, como raça, maternidade solo e filhos com deficiência. São muitas as pautas que precisamos levantar na academia para de fato atingirmos a equidade de gênero na ciência”, declara. Fernanda acredita que é preciso mudanças estruturais sobre a forma como a maternidade é enxergada dentro da academia. E, enquanto as mudanças não ocorrem, ela assegura que vai continuar lutando por ações que garantam o pleno desenvolvimento das mulheres que são mães.
Realidade Local
“Quando eu vou trabalhar, sou orientadora e docente. Quando eu estou na minha casa, sou mãe e esposa. Mas trabalhar em casa, é ser tudo ao mesmo tempo”, analisa Josiane Campos, que está em trabalho remoto desde o início da pandemia. A professora conheceu o Parent in Science através de leituras acerca de maternidade na ciência e, atualmente, é embaixadora do movimento na UFPB, onde pretende avançar com os debates. “É necessário que a gente discuta a maternidade na ciência e na universidade, não só das docentes, mas das alunas graduandas e pós-graduandas. E é preocupante que ainda não se tenha isso dentro da Universidade”, afirma.
A docente também apresenta uma importante conquista na UFPB. No último edital de apoio financeiro para professores e pesquisadores, o CONSUNI decidiu considerar dois anos a mais para análise do currículo de mulheres que são mães na avaliação dos projetos. “As mães que tiveram filhos nesse período de avaliação do currículo, são três anos de avaliação, puderam ter analisados e considerados dois anos a mais, para que essa docente concorra com maior igualdade com os demais”, explica.
Extensionista: Aléssia Guedes | Edição: Lis Lemos