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Stalking agora é crime: perseguição contra mulheres recebe pena mais dura

publicado: 20/07/2021 09h15, última modificação: 20/07/2021 09h33

O stalking é um termo em inglês, popularizado no Brasil, usado para definir uma conduta de perseguição a um indivíduo, causando prejuízo físico ou mental à vítima. Assim também é definido na Lei 14.123, aprovada em março último, que conceitua o crime como ato de "perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade".

Nos Estados Unidos, o stalking ganhou repercussão após o assassinato da atriz hollywoodiana Rebeca Schaeffer. Ela foi morta dentro da própria casa por um fã que a perseguia há cerca de três anos. O crime não pode ser resumido a relações obsessivas entre fãs e ídolos, mas uma conduta amplamente disseminada em vários tipos de relações e se tornou mais evidente com a popularização da internet.

O assassinato da atriz revela uma complexidade maior na perseguição. "O stalking é um crime inicial. Às vezes a vítima é perseguida com a finalidade de ser futuramente morta ou estuprada. É um meio de execução para um delito mais grave. É um crime menor em relação a outros, mas ele pode ser utilizado como um meio de execução para um ato mais agressivo", explica a advogada Raphaelly Keller.

Anos após o stalking, vítimas ainda sentem medo do agressor

Letícia Nascimento, universitária e uma mulher negra, foi perseguida durante dois anos. Na adolescência, mudou de escola e se aproximou de um garoto que estudava na sua sala, que passou a conhecer toda sua rotina. Ele tratava Letícia de uma forma diferente, mas até então parecia atitudes de amigo. No entanto, ficou claro que as intenções dele estavam além da amizade: "eu nunca fiquei com alguém da sua cor", disse o garoto. 

Indignada com a afirmação e a insistência do rapaz, Letícia passou a recusar sua aproximação e o bloqueou de todas as redes sociais, mas eles ainda estudavam juntos. A partir daí, começou uma rotina de muito medo na vida da adolescente. Ele encontrava meios de enviar mensagens se declarando, observava ela na escola e, mesmo após sair da instituição, ele fazia visitas surpresas que a deixavam tensa e assustada. 

“Eu fiquei muito abalada durante esses dois anos, eu não conseguia relaxar completamente. Até nos dias que eu estava mais tranquila, eu pensava: ele pode vir hoje, ele pode fazer algo”, relembra a estudante. A perseguição atrapalhou relacionamentos amorosos, o rendimento escolar de Letícia e fez com que ela excluísse suas redes sociais. Na época, a adolescente não denunciou ou contou para os pais por medo.

Anos mais tarde, o medo que a atingiu na adolescência voltou. Alguém entrou em contato com suas redes sociais de forma anônima e pedia para conversar com ela, afirmando que percebia olhares e interesse da estudante, o que nunca aconteceu. O perseguidor parecia saber tudo sobre ela, onde estudava e quais ônibus pegava, mencionou que a tinha conhecido no trabalho.

Dessa vez, a estudante não ficou calada. Denunciou aos chefes, mas eles apenas disseram que era um "admirador secreto" e acharam a situação engraçada. Mas não tinha nada de cômico: a perseguição, o medo e o desconforto fizeram ela pedir demissão. “Eu me sentia vigiada e enganada, isso afetou meu emocional e meu desempenho na universidade”, relembra Letícia. Após esses episódios, a estudante conta que o medo ainda não passou, diante da possibilidade de encontrá-lo no trabalho, estudo ou na rua.

Como a lei é aplicada no Brasil? 

A Lei de Perseguição foi sancionada em março de 2021, alterando o Código Penal. Ela revoga a lei de contravenção penal, artigo 65,  intitulada “perturbação da tranquilidade” e que instituiu penas de 15 dias a dois meses ou multa. A partir de 1º de abril, perseguidores estão sendo enquadrados na nova lei e podem receber pena de seis meses a dois anos. A pena pode ser aumentada pela metade se o crime for contra crianças, adolescentes, idosos e mulheres.

Ele se configura como um crime sequencial, ou seja, para ele ser consumado é necessário seguir um ciclo de perturbações físicas ou psicológicas, utilizando qualquer meio, seja perseguições presenciais (no trabalho, escola ou locais frequentados pela vítima) ou por meio de mensagens incômodas nas redes sociais.

A advogada Raphaelly conta que já precisou defender um cliente perseguido por alguém que não aceitava o fim do relacionamento. Na época, a falta de uma lei específica dificultava o processo. Segundo ela, a existência da lei é mais uma ferramenta para a proteção de mulheres e de pessoas vítimas do crime.

A sub-coordenadora das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMS), Sileide Azevedo, considera a lei um avanço legislativo. “Vemos criminalizada mais uma conduta de que eram vítimas muitas mulheres, que até então viam os autores dos crimes permanecerem no território da impunidade”, afirma.  

A denúncia pode ser realizada nas DEAMS, além dos canais 197 (Disque Denúncia da Polícia Civil) e o 190 (Polícia Militar), o último especialmente para crimes em flagrante. A denúncia também pode ser feita por terceiros que tenham conhecimento ou presenciaram a situação de violência. Se a mulher for estudante, servidora técnico-administrativa ou docente da UFPB, pode procurar a CoMu para acolhimento e orientação. 

Extensionista: Grace Vasconcelos | Edição: Lis Lemos