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Uma conversa com Terlúcia Silva: Feminismo Negro
Graduada em Serviço Social e Mestra em Ciência Jurídicas, Terlúcia Silva faz da sua bandeira a luta pelo Movimento de Mulheres Negras. Proporcionado pelo projeto de extensão do Grupo Marias e pelo Centro de Referência de Direitos Humanos da UFPB, Terlúcia ministrou uma oficina sobre feminismo negro, em setembro, e conversou sobre algumas inquietações.
Quais suas críticas ao feminismo, do ponto de vista das mulheres negras?
O Feminismo atual é um movimento social, político importante. Agora, do ponto de vista das mulheres negras, não é um feminismo que nos contemple. Uma vez que o feminismo hegemônico continua mantendo pautas reivindicações mais tradicionais e específicas, considerando muito mais as dores, sofrimentos e trajetórias das mulheres brancas. E por isso, nós enquanto mulheres negras reivindicamos esse lugar de luta, e construímos a partir das nossas experiências e trajetórias: o feminismo negro.
Pode-se afirmar que a população negra é a mais marginalizada, economicamente, socialmente e geograficamente. Então, como o feminismo pode chegar de fato nas comunidades, uma vez que entendemos que a as mulheres negras jovens ocupam esse espaço?
O movimento político é uma prática dinâmica. E no campo do feminismo negro ele se organiza em diversas formas, então não está apenas organizado em um grupo que representa um todo. Nas periferias existem espaços de socialização e de reivindicação popular, que se assemelham com a luta e intervenções do feminismo negro. Então, se você nota organizações populares, não governamentais, muitas delas estão atuando nas comunidades.
Há “feminismoS negroS”, como o hip hop, a ciranda, entre outras manifestações. A partir disso, você está construindo um espaço da mulher negra. Seria muito estranho se a gente tivesse que levar algo pra alguém, o movimento tem que surgir da periferia. Eu que não venho da comunidade, não posso chegar lá e mostrar “oh, trouxe o feminismo negro pra vocês!”.
Quais os atuais desafios para as políticas afirmativas na Universidade?
É muito importante esse processo de políticas afirmativas, apesar de não termos visto a sua consolidação ainda. Temos cotas, a inserção de negros na academia, mas o que presenciamos é o descaso e desamparo para permanência desses alunos negros nas universidades. O que temos com as políticas afirmativas são pequenos avanços. Em 2002, nós tínhamos 96% de brancos na universidade e apenas 4% eram pessoas negras. Atualmente, nós temos mais da metade dos universitários do Brasil pretos ou pardos.
Mesmo que uma mulher negra consiga chegar num espaço de poder ela vai ser muito mais exigida. Tem pessoas brancas que não admitem ter uma chefe negra.
Para além da universidade, outra problemática é a inserção de negras no mercado de trabalho. Estamos na terceira geração de cotistas e os resultados das pesquisas apontam a dificuldade das negras em ingressar no mercado de trabalho. Esses aspectos nos mostram que precisamos de políticas afirmativas nos segmentos empregatícios, para ocuparmos o espaço que é em sua maioria constituído por homens e mulheres brancos.
O olhar que a sociedade tem de uma mulher negra, é que são menos inteligentes, menos capazes. E as mulheres negras acabam por ter que se desdobrar pra provar o contrário. Você pode ter o melhor currículo, a melhor formação, mas a tua pele negra vai te colocar sempre como segunda ou terceira colocada.
Com as disparidades estatísticas do Brasil, para Terlúcia não basta apenas que se criem políticas públicas de âmbito geral, pois não considera as demandas e as particularidades das minorias.
Nós vivemos num país de dimensões continentais enraizado numa cultura racista, classista, machista. Os números estatísticos deixam claro que as mulheres negras são as que mais sofrem com a violência. Sobre ela vão recair várias opressões de gênero, de raça, de classe, de sexualidade e até mesmo região. Esse olhar interseccional é o que falta para a elaboração e implementação de políticas públicas.
A Lei Maria da Penha é fundamental, mas para nós mulheres negras, o cenário não foi alterado. Ao contrário, os números apontam que aumentou o número de mulheres assassinadas negras. Mesmo que a lei garanta “independente de classe ou raça...”, nós temos um complicador: o fator social. Para nós, mulheres negras, devemos ter o termo “considerando raça”, porque quando reconhecemos o racismo, podemos dar o primeiro passo para o enfrentar.
As mulheres não compõem um conjunto homogêneo. Tem que haver esse olhar dimensional, e é isso que falta no campo das políticas públicas.