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Violência contra mulheres pode começar ainda no namoro
Quando se discute violência nas relações afetivas, geralmente se pensa naquelas entre adultos. Os debates relacionados às vivências entre os jovens, principalmente, no que diz respeito à presença da violência no namoro não são comuns. Dados da ONU Mulheres, de 2019, mostram que a cada hora 526 mulheres são vítimas de agressão. Entre aquelas com idades entre 16 e 24 anos, a pesquisa aponta que 42,6% haviam sofrido violência nos últimos 12 meses.
A estudante Patrícia (nome fictício), 20 anos, está entre as jovens que vivenciaram violência em um namoro. Aos 17 anos, iniciou um relacionamento com um jovem da sua idade e com o decorrer do tempo percebeu mudanças nas atitudes do namorado. Privação da liberdade e chantagens emocionais eram recorrentes.
Ela relata que não podia sair com os familiares se o namorado não estivesse presente ou uma série de chantagens seriam feitas. O rapaz culpava Patrícia pela tristeza que sentia, alegando que a causa era eles não estarem juntos o tempo todo. “Quando eu viajava sozinha com minha família, ele me mandava diversas mensagens dizendo que estava triste e que eu não podia fazer nada por ele, pois não estávamos no mesmo lugar”, conta.
Toda essa situação fazia com que Patrícia se sentisse culpada e, com o tempo, parou de questionar as atitudes de cerceamento dele. "Passei a fazer coisas que ele desejava só para poder ficar em paz", desabafa. Após dois anos em uma relação violenta, o namoro chegou ao fim. Patrícia afirma que o processo foi difícil, mas que as referências de conteúdos feministas foram essenciais para a identificação das violências sofridas.
A estudante conta que está em outro relacionamento, mas que ainda lida com os traumas que ficaram do anterior. A jovem alega que tem tentado prosseguir confiante e certa de que não é culpada pelos sofrimentos aos quais foi submetida. “Todas as vezes que penso que consegui sair daquilo, eu choro de felicidade, mas sinto tristeza ao lembrar pelo que passei. Ainda não consigo lidar totalmente com os traumas que ficaram, mas tento não me culpar por tudo que passei”.
Relações homoafetivas
As situações de violência não ocorrem apenas em relações heterossexuais. A psicóloga e pesquisadora Fernanda Sardelich explica que as relações violentas independem da orientação sexual e que os relacionamentos não heterossexuais também podem apresentar violência. A ideia de condição igualitária que é colocada sobre relacionamentos entre homens gays e mulheres lésbicas gera dificuldades na identificação dessas violências.
Essa foi a experiência vivenciada pela estudante Izabelle Almeida, 20 anos. Ela narra que aos 17 anos namorou uma garota de sua idade e que essa foi uma relação marcada por privações, violências verbais e ameaças de término. A jovem conta também que o enorme cansaço e angústia que sentia ajudaram na identificação de que havia algo errado. "Eu não podia ser eu mesma. Não podia sair de casa, nem fazer o que eu gostava".
A relação durou três anos. Izabelle afirma que a situação vivenciada fez com que percebesse a urgência de tratar sobre o assunto entre relacionamentos não heterossexuais. “O meu relacionamento abusivo foi em uma relação entre mulheres lésbicas. Não entendo como uma mulher pode machucar outra. Precisamos falar ainda mais sobre isso, pois existe. O comportamento abusivo é enraizado em todos os gêneros e é preciso reconhecer e falar ainda mais sobre essa realidade”, defende.
Pesquisa
A psicóloga e pesquisadora Fernanda Sardelich, realizou estudos sobre a violência entre casais de namorados em sua dissertação e tese, defendidas na UFPE. Com a dissertação ‘Namoro e Violência: Um estudo sobre amor, namoro entre jovens de grupos populares e camadas médias’, Fernanda analisou a percepção dos jovens sobre o significado de violência.
Algumas das relações observadas pela pesquisadora, tanto na pesquisa como também nos atendimentos clínicos, são similares ao que ocorreu com Patrícia. “O cerceamento gerado por quem comete a violência, deixa o outro em uma situação de total dominação, gerando um controle sobre a outra pessoa”, avalia Fernanda.
Na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o projeto ‘Quando é amor só quem bate é o coração: promovendo a prevenção da violência no namoro de jovens e adolescentes’, coordenado pela professora do curso de Psicologia, Patrícia Fonseca, tem promovido debates com jovens de escolas da capital paraibana sobre o assunto. Esse é o segundo ano da ação de extensão.
O objetivo do projeto é ajudar adolescentes na identificação de comportamentos violentos. Atualmente, as ações são desenvolvidas na Escola Cidadã Integral Técnica Olivina Olívia Carneiro da Cunha, em João Pessoa. Entre os assuntos debatidos com os estudantes estão as diferenças entre o ficar, namorar e noivar, além de uma avaliação dos relacionamentos e intervenção através das atividades executadas.
Fernanda Sardelich alerta que ao identificar sinais violentos na relação que de alguma forma não sejam resolvidos através do diálogo, procurar ajuda psicológica e proteção devida é o mais indicado. “Na psicologia há algumas especializações que tratam sobre relacionamento, que pensam sobre gênero, e o ideal é procurar profissionais sensíveis a essa questão, com escuta atenta e reflexão”, explica.
Extensionista: Crislaine Honório | Edição: Lis Lemos