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Tule
Tule s.m. Tule é um tipo de clarinete tubular, aberto, feito de bambu encontrado entre os Wayãpi, tribo indígena cujas aldeias se encontram na região do estado do Amapá. Segundo o etnomusicólogo francês Jean-Michel Beaudet - que esteve na aldeia Aldock entre 1977 e 1983 - , a população, falante do tupi-guarani, é dividida em “dois grandes grupos situados à leste das Guianas: os Wayâpi do Sul, à beira dos rios Jari e Amapari no estado do Amapá (Brasil), e os Wayâpi do Norte situados às margens do rio Oiapoque na Guiana francesa.” (1998, p. 38). Seus grandes clarinetes Tule podem medir entre 60cm e 1,60m (BEAUDET apud ACÁCIO, 1999, p. 130, 131) e não possuem orifícios digitadores. “A palheta propriamente dita é recortada numa fina taboquinha (tacuapi) chamada de porta palheta", sendo fixada no interior do tubo (BEAUDET, 1998, p. 42). Sua classificação - consonante ao sistema Hornbostel-Sachs, atualizado pelo MIMO Musical Instruments Online Museum (MONTAGU, 2011) - é 4.2.2.2.1.1.1.
Beaudet nos conta que, entre músicas dançadas e não dançadas, cantadas e não cantadas, a “música wayapi é infinita [...] celebra a vida, os peixes, os pássaros, o milho, a libélula […] a multifonia da vida na aldeia ou a atmosfera da floresta [...] a música reafirma o prazer de viver. Um canto de bem-estar” (BEAUDET, 1998, p. 38). Ao lado de flautas, trompas, zunidores e outros clarinetes, o Tule compõe um grande conjunto de aerofones wayãpi, que chegam a contar 21 tipos de instrumentos diferentes; sua música é dançada, sendo tocado em festas ou “encontros regados a cerveja” (BEAUDET apud ACÁCIO, 1999, p. 126-128). Emite apenas uma nota (repleta de harmônicos), usando técnica de alternância, e é tocado em grupos de até 15 homens. O autor registrou cerca de 230 “peças” para o tule que são compostas a partir do contraste entre o toque solado - por apenas um executante - e o toque coletivo. Ainda sobre esse aspecto ele descreve: “a estética musical [...] é baseada no princípio explícito da repetição: aqui, como em toda a Amazônia, músicos e ouvintes encontram seu prazer, antes de tudo, na duração e na repetição”; As noções rítmicas se fundamentam pela “flutuação do pulso, que é responsável pela interação música e dança, pela repetição [...] e pela variação. O princípio formal de tudo aqui parece ser a alternância, principalmente entre o tutti do mùte e os solos das outras partes”. (BEAUDET apud ACÁCIO, 1999, p. 133)
Essa é uma importante característica da música feita pelos tules: a dinâmica entre os solos e as partes “orquestrais” também estabelece representações sobre o indivíduo e a sociedade, ou o indivíduo e sua família (BEAUDET apud ACÁCIO, 1999, p.127). Durante as partes coletivas, enquanto cada um toca sua única nota, não se preocupam em definir alturas, intervalos ou qualquer noção de afinação, mas sim em criar uma massa sonora, em que seus recursos timbrísticos se destacam a partir de uma “cumplicidade orquestral”(BEAUDET, 1998, p. 42, 43).
Piedade e Menezes Bastos destacam a proposta de Beaudet para que “se encare o universo dos instrumentos musicais wayãpi como um arquétipo do instrumentarium amazônico em sua totalidade” devido à “predominância tipológica de aerofones” exclusivo aos homens, cujas músicas estão diretamente ligadas ao xamanismo pela estreita relação entre os “sopros audíveis” dos instrumentos “sopros visíveis” do ato de fumar (BEAUDET apud ACÁCIO, 1999, p.128).
Lucas de Lima W. Resende
Referências:
PIEDADE, Acácio Tadeu de Camargo; BASTOS, Rafael José de Menezes. Sopros da Amazônia: sobre as músicas das sociedades Tupi-Guarani. MANA 5(2):125-143, Artigo bibliográfico, 1999.
BEAUDET, Jean-Michel. Encarte do disco “Wayãpi de Guyane: un visage sonore d’Amazonie, 1998.