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Artista plástico Pedro Delgado faz exposição em homenagem a Hermano José
"A exposição “Meu Museu Hermano José”, de Pedro Delgado, apresenta um jogo sofisticado de metalinguagem e homenagem, no qual o artista constrói uma espécie de museu imaginário dentro de sua própria mostra. Trata-se de um tributo singular a Hermano José - criador cujas obras, dispersas no tempo e na memória, são aqui reencenadas e expandidas para além de seus contextos originais, filtradas pelo olhar do próprio Delgado. Ao fazê-lo, o artista convida o público a refletir sobre os processos de ressignificação, memória e fabulação que permeiam a experiência da arte.
Nas pinturas apresentadas, Delgado dá forma a um insólito cenário, no qual personagens em miniatura - visitantes esculpidos e pintados - observam paisagens interiores, composições pictóricas e fragmentos do imaginário paraibano da década de 1970. As falésias do estado da Paraíba, antes registradas por Hermano José, ressurgem como tema central, porém deslocado: não se trata apenas de revisitar, mas de reinscrever tais imagens em um novo contexto, onde a distância histórica é compensada pelo contato íntimo com a matéria pictórica, densa e carregada de texturas.
A paleta cromática de Delgado reforça este diálogo entre passado e presente, mesclando tons vibrantes e terrosos com a intensa luz do litoral nordestino. As pinceladas grossas dão corpo às falésias, às praias e à vegetação, sugerindo camadas de tempo e significado. Estas superfícies marcadas, em relevo, reforçam a tridimensionalidade da obra, enquanto as figuras humanas suspensas, destacadas do plano e contemplativas, funcionam como espelhos do público, que, diante da cena, é impelido a assumir também o papel de voyer do ato artístico.
A proposta de Delgado não se limita a recriar uma mostra fictícia de Hermano José; ela questiona as próprias dinâmicas da exibição artística. Ao elaborar uma exposição dentro da exposição, o artista desvela as tensões entre inspiração, autoria, curadoria, crítica e público. É como se um ciclo Kantiano de olhares se formasse: Hermano, Delgado, as personagens nas pinturas, os visitantes da galeria e, finalmente, nós, que assistimos a esse enredamento de pontos de vista.
Cada fragmento deste “museu” pintado parece nos dizer que a arte não é estática, mas fruto de negociações constantes entre diferentes tempos, lugares e vozes. Ao entrelaçar referências históricas, emocionais e formais, Delgado convoca o espectador a refletir sobre a invenção da memória, a reconstrução do passado e a potência da imaginação. Assim, o ato de olhar transforma-se em experiência ativa, onde a obra e o público se co-configuram.
Em “Meu Museu Hermano José”, Pedro Delgado supera os limites físicos e conceituais da moldura, criando um território híbrido em que imagens, espectadores e memórias cruzam seus caminhos. Aqui, não apenas se recupera a presença de um artista ausente, mas celebra-se o poder da arte em transcender o tempo, convidando-nos a habitar um universo construído a partir das lembranças, do desejo de diálogo e da inquietação criativa."
Daniel da Hora
Professor, Artista Visual e Curador.
A mostra pode ser conferida gratuitamente no MCCHJ, de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h.