Educação Sexual e Educação Não-Sexista
A preocupação com a educação sexual é mais antiga do que a com a educação não-sexista comprometida com a equidade e diversidade de gênero que hoje se delineia na política educacional brasileira. Por um lado, tem-se criticado as concepções e práticas da educação sexual marcadas pelo enfoque disciplinar biomédico e pelo enfoque pedagógico da transmissão de informação, reconhecendo-se que as políticas educacionais sobre sexualidade têm se restringido à dimensão dos direitos sexuais e reprodutivos e que a educação sexual tem se preocupado mais com a prevenção das DSTs, da AIDs e com a gravidez na adolescência do que com outros aspectos da experiência humana, como o desejo, o prazer e a diversidade de expressões afetivo-sexuais. Por outro lado, tem-se reconhecido a necessidade de articular gênero e sexualidade, pois nem sempre a educação sexual incorporou ou incorpora o viés crítico de gênero.
Desde fins da década de 1990, vem se avançando no delineamento de uma política educativa/escolar/curricular nacional sobre as questões da sexualidade e do gênero. O primeiro marco é a introdução do tema transversal Orientação Sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, com três blocos de conteúdo: corpo, matriz da sexualidade, relações de gênero e prevenção às doenças sexualmente transmissíveis/AIDS, numa tentativa inicial de articular corpo, gênero e sexualidade.
Concomitantemente, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil adverte, em suas orientações didáticas, contra a reprodução de identidades de gênero estereotipadas; sugere que as crianças brinquem com “as possibilidades relacionadas tanto ao papel de homem como ao da mulher” (BRASIL, RCNEI, 1998, p.41); reconhece que a expressão da sexualidade, relacionada ao prazer é de grande importância para o desenvolvimento psíquico, estando presente desde o momento do nascimento e manifestando-se de formas distintas segundo as fases da vida, sempre marcadas pela cultura e pela história (BRASIL, RCNEI, 1998, p. 17).
O Plano Nacional de Educação em seus objetivos e metas da educação superior assinala a inclusão questões relacionadas às problemáticas tratadas nos temas transversais, tais como: gênero, educação sexual, ética, pluralidade cultural, meio ambiente e saúde nas diretrizes curriculares dos cursos de formação de docentes.
A partir do reconhecimento das discriminações, desigualdades e violências que afetam as mulheres brasileiras - articuladas as diferenças de origem social, raça/etnia, orientação sexual, geração e condição física/mental - e da afirmação do princípio da equidade (entendida como tratar desigualmente os desiguais, buscando a justiça social através de ações específicas e afirmativas voltadas aos grupos historicamente discriminados), o I Plano Nacional de Políticas para Mulheres vai além da inclusão das questões de gênero nos currículos, ao apontar a necessidade de transformação das práticas educativas, da produção de conhecimento, da educação formal, da cultura e da comunicação discriminatórias.
No Capítulo 2 do I Plano Nacional de Políticas para Mulheres referente a educação inclusiva e não-sexista, destacam-se, entre outros objetivos: “incorporar a perspectiva de gênero, de raça, de etnia e de orientação sexual no processo educacional formal e informal”, assim como, “combater os estereótipos de gênero, de raça e de etnia na cultura e na comunicação”. Entre as prioridades elencadas, encontram-se: “promover ações no processo educacional para a eqüidade de gênero, de raça, de etnia e de orientação sexual”, destacando-se a inclusão destas temáticas no ensino superior, na formação inicial continuada de educadoras/es (inclusive no tocante à prevenção da violência de gênero), na atenção ao livro didático e nos demais materiais pedagógicos (BRASIL, 2004, p. 56).
Em 2008, o II Plano Nacional de Políticas para Mulheres reafirma, entre outras, as seguintes diretrizes: garantir a inclusão das questões de gênero, de raça e de etnia nos currículos; reconhecer e buscar formas de alterar as práticas educativas, a produção de conhecimento, a educação formal, a cultura e a comunicação discriminatórias; formar e capacitar servidoras/es públicas/os em gênero, raça, etnia e direitos humanos, de forma a garantir a implementação de políticas públicas voltadas para a igualdade (BRASIL, 2008, p. 31).
Movimentos do LGBTTTs - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros - e Educação
Expressando a crescente visibilidade dos movimentos LGBTTTs e a emergência da Teoria Queer, que aponta a escola “como espaço de normalização, disciplinamento e ajustamento heteronormativo de corpos, de mentes, de identidades e de sexualidades” (LOURO, 2001, p. 11), em 2003 foi instituído o Programa Brasil Sem Homofobia -- Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra Gays, Lésbicas, Transgêneros e Bissexuais e de Promoção da Cidadania Homossexual, visando garantir o direito à educação desses grupos e promover valores de respeito e não-discriminação por orientação sexual. Destaca-se que um dos compromissos assumidos no âmbito da educação pelo Brasil sem Homofobia é o de divulgar informações científicas sobre sexualidade humana.
Desafios
Destacam-se como prioridades: promover a formação inicial e continuada de gestoras/es e profissionais da educação e estudantes da educação básica para a equidade de gênero, de raça/etnia e para o reconhecimento das diversidades; formar mulheres (jovens e adultas) para o trabalho, visando reduzir a desigualdade de gênero nas carreiras e profissões; estimular a produção e difusão de conhecimentos sobre gênero, identidade de gênero, orientação sexual e raça/etnia em todos os níveis de ensino; promover medidas educacionais para o enfrentamento da violência contra as mulheres, considerando as dimensões étnico-raciais, geracionais e de orientação sexual; ampliar o acesso e a permanência na educação de grupos específicos de mulheres com baixa escolaridade (BRASIL, 2008, p. 62).
Amplificar, multiplicar e reutilizar materias educativos para o trabalho com as temáticas do corpo, sexualidade e gênero
As orientações recentes do MEC/SECAD embora enfoquem a eqüidade de gênero, o reconhecimento das diferenças e a superação dos preconceitos em prol da diversidade sexual e de gênero tanto na educação superior quanto na básica, entretanto há um enorme desconhecimento acerca das problemáticas da desigualdade de gênero, do sexismo, do heterossexismo, da misoginia e da homofobia.
Com essa preocupação, diversas instituições formadoras, através de seus setores de pesquisa e extensão, bem como instituições da sociedade civil têm desenvolvido materiais educativos para o trabalho com as temáticas do corpo, sexualidade e gênero em todo o país. Esses materiais incluem cartilhas, folders, brochuras, áudios e vídeos destinados a grupos diversos com circulação espacial e temporal restrita, no contexto de campanhas ou projetos locais que, no mais das vezes, não tiveram continuidade.
Podem, todavia ser reutilizados, desde que acessíveis a públicos mais amplos, ou seja, tanto os conteúdos e imagens, quanto as estratégias pedagógicas criadas podem ser úteis em diversos contextos educativos. Por exemplo, cartilhas dirigidas a mulheres adultas podem ser interessantes para professoras/es como material de formação continuada. Ademais, podem compor um banco de documentos úteis para subsidiar pesquisas e desenvolvimento de novos materiais didáticos, considerando-se que essa elaboração deve partir da avaliação sistemática/criteriosa dos já existentes, a fim de superar seus limites.
Na tentativa de suprir essas necessidades e contribuir para a disseminação da cultura da eqüidade de gênero, a Biblioteca Escolas Plurais coloca seu acervo à disposição de educadoras/es, gestoras/es, militantes e pesquisadoras/es.
Referências
BRASIL (2004). Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
BRASIL (2008). II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
BRASIL. MEC/SEF (1998). Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Volume 2. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Ensino Fundamental.